sexta-feira, 3 de abril de 2009

Notícias: Indústria muda relações com varejo

Publicado por Gazeta Mercantil
por Cintia Esteves

A redução nos estoques implementada pelos supermercadistas, por conta da crise, estabeleceu uma nova dinâmica na relação com a indústria. Se por um lado, os varejistas agora conseguem fazer pedidos mais próximos à realidade das vendas, e não engessam seu capital de giro com produtos parados no estoque, por outro lado, a indústria também adota alternativas que nem sempre agradam ao comércio.

Um dos problemas enfrentados pelos supermercadistas é a diminuição na quantidade de repositores no interior das lojas. Antonio Ferreira de Souza, gerente geral da rede de supermercados Futurama, diz que as fabricantes Arcor, com os seus produtos Triunfo, e a Adria estão promovendo um revezamento destes profissionais. Ele explica que se um fabricante mantinha dois repositores fixos em uma loja durante o dia, por exemplo, agora deixa apenas um a disposição durante todo o dia e o outro permanece apenas meio período na loja. "A Sadia também tinha diminuído a quantidade de repositores, mas brigamos muito e eles voltaram atrás", conta Souza.

Roberto Moreno, diretor financeiro do Sonda Supermercados, afirma que desde outubro do ano passado, a quantidade de repositores caiu 15%. Os fabricantes negam. Segundo Ronney Teixeira Cardoso, diretor de vendas da Arcor, fabricante dos produtos Triunfo, a empresa não diminuiu a quantidade de repositores no interior dos supermercados. "Ao contrário, nós aumentamos o número de repositores dentro dos supermercados em 2009 em relação a 2008, pois entendemos que o canal supermercadista é estratégico para o desenvolvimento e crescimento dos nossos negócios", afirma o executivo.

A Sadia informou que aumentou o número de profissionais especializados em organizar os produtos nas prateleiras em 15% neste primeiro trimestre, na compa-ração com o mesmo período do ano passado. Já Adria Alimentos diz ter reforçado a equipe de promotores e repositores e apresentou um crescimento de 35% no número desses profissionais em 2008, em relação a 2007.
Estoques ajustados


Como explica João Sanzovo Neto, presidente da Associação Paulista de Supermercados (Apas), os estoques dos supermercadistas estão "mais ajustados". "Antes da crise, os supermercados estavam trabalhando com um estoque de 30 dias, agora caiu para 20", diz. Este fato, além de influenciar nas negociações com a indústria impõe uma nova rotina ao comércio. "Os supermercados estão comprando de acordo com o que eles vendem. Alguns varejistas, que antes faziam dois pedidos mensais a um fabricante, agora já estão fazendo pedidos diários", afirma Sanzovo.

"Se antes da crise eu fazia um pedido mensal de mil unidades de um determinado produto, agora faço quatro pedidos de 250 unidades cada. Estou fechando pedidos semanais. Dá mais trabalho, mas pelo menos sei que vou comprar somente o que for vendido", afirma Souza, do Futurama.
Com estoques menores, outro alerta surge nas gôndolas: o perigo do aumento da ruptura. No varejo, ruptura é quando o cliente procura um produto na prateleira e não o encontra. "Com estoques reduzidos, as chances de ruptura aumentam e os supermercadistas estão preocupados", diz o presidente da Apas.

Presentes para as lojas

Não é somente a diminuição do número de repositores que aborrece os executivos do setor. A escassez nos mimos fornecidos pela indústria também provoca debates. "Os enxovais e a verba oferecida pela indústria estão desaparecendo", reclama o diretor do Sonda. Os chamados enxovais são remessas de compras grátis enviadas aos supermercadistas pela indústria. São como presentes dados aos varejistas na ocasião da abertura de uma loja, por exemplo.

"A indústria está querendo fugir de um costume que ela mesmo criou. Na luta para expor seus produtos nos melhores lugares de uma loja, a indústria criou o hábito de oferecer enxoval quando o varejista inaugura uma loja. Este tipo de negociação acabou indo para os contratos e agora a indústria é criticada quando não quer oferecer o benefício", explica Sussumu Honda, presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).

"O problema é que os supermercados começaram a criar muitos motivos para receber os enxovais como, por exemplo, aniversário de loja, entre outras come-morações", completa Honda.
O gerente geral da rede Futurama concorda. "Os grandes supermercadistas exigem muitos benefícios da indústria. São diversas as comemorações e, por consequência, muitos enxovais", afirma Souza. Já a verba é estabelecida durante cada negociação entre varejista e indústria. Trata-se de um valor que pode ser em dinheiro, desconto ou até mesmo em mercadorias, que varia de acordo com a quantidade da compra e o espaço que o produto ocupará no interior do supermercado.


Os lugares mais cobiçados para exposição dos produtos são os terminais de gôndolas. As prateleiras próximas aos caixas, onde são expostos produtos como lâminas de barbear, também estão entre os mais valiosos para os fabricantes, além das ilhas promocionais e das geladeiras verticais do setor de congelados. "Existe um preço para cada espaço, mas esse valor varia de acordo com cada negociação e cada produto", resume Sanzovo, da Apas.
Sussumu Honda, da Abras, dá uma pista: ele afirma que o valor da verba não chega a 10% do valor de um pedido. "Essa verba pode, por exemplo, ser usada em propagandas como tablóides, como ocorre bastante em São Paulo", diz.


A negociação agressiva por espaços justifica-se. Um supermercado médio costumam ter entre 10 mil e 15 mil itens expostos. E em um ano entram no mercado aproximadamente 10 mil lançamentos, segundo dados da Abras. "Não cabe todo mundo, a gôndola não estica", brinca Honda. Procuradas pela reportagem, as redes Carrefour, Pão de Açúcar e Wal-Mart preferiram não conceder entrevistas.