sábado, 31 de outubro de 2009

Varejistas podem virar rivais de Redecard e Visanet

Além dos bancos, as grandes empresas de varejo do país também estudam tornar-se credenciadoras da Visa e da Mastercard

Há tempos, as margens cada vez mais apertadas desafiam os varejistas a encontrar meios criativos de extrair cada centavo de lucro de uma venda. A oferta de produtos financeiros - como cartões de crédito com marcas próprias, garantia estendida e até seguros residenciais - é um negócio cuja importância para os lojistas cresceu fortemente nos últimos anos. Agora, a mudança na regulamentação do setor de cartões de pagamento, discutida pelo governo e o setor financeiro, promete abrir um novo filão para redes de supermercados, eletrodomésticos e vestuário.

Trata-se do credenciamento, isto é, o serviço de habilitar os estabelecimentos comerciais para que possam aceitar os vários cartões de crédito e débito existentes. Hoje cerca de 80% desse mercado está nas mãos da Redecard, - que até pouco tempo era a credenciadora exclusiva da Mastercard -, e da Visanet, cuja exclusividade com os cartões Visa termina em junho de 2010. Mas as novas regras para o setor devem abrir espaço para que um número maior de empresas passe a atuar no credenciamento - o que abrirá espaço para o varejo.

Fonte: Portal Exame



Inicialmente os grandes varejistas do país estudam entrar nesse mercado para realizar o autocredenciamento. Um supermercado, por exemplo, teria de adquirir a licença para processar transações dos cartões Visa e Mastercard. Ao se tornarem credenciadores, os varejistas poderiam deixar de pagar para a Visanet e a Redecard. taxas pelas compras pagas com cartões das duas bandeiras. Seria, portanto, uma forma interessante de os comerciantes cortarem custos. Mas propostas mais ousadas podem desembocar em novas empresas credenciadoras, que sairiam a campo para brigar com os atuais líderes desse mercado. "Os grandes varejistas têm porte e capacidade de investimento para isso", afirma Álvaro Musa, ex-presidente da Credicard e sócio da consultoria Partner Conhecimento.

O mercado brasileiro de cartões conta com dois atores fundamentais. O emissor - em geral, um banco - é quem negocia com a bandeira (Mastercard, Visa, American Express, etc) a licença para lançar plásticos com o seu selo. Também cabe ao emissor definir que clientes poderão usá-los e qual será o limite de crédito, entre outros itens. Como ninguém quer um cartão que não é aceito em lugar nenhum, o credenciador também exerce uma função estratégica. É ele o responsável por ampliar e manter a rede de pontos comerciais que aceitam os cartões. Seu faturamento provém, primeiro, do aluguel das "maquininhas" onde o lojista passa o cartão do cliente para processar a compra. Conforme o modelo e o porte do comerciante, o aluguel sai de 100 a 150 reais mensais por máquina. Apesar de caro para os pequenos varejistas, esse item representa apenas 16% das receitas dos credenciadores. A maior fatia - 80% - é gerada pela taxa de desconto nas transações, que varia de 3% a 5%, segundo um estudo do Banco Central.
É claro que gigantes do varejo, como Pão de Açúcar, Carrefour, Walmart e Casas Bahia, conseguem pressionar os credenciadores e, assim, obtêm taxas menores de desconto - cerca de 2%, ou até menos. Além disso, os terminais que utilizam são múltiplos, isto é, aceitam todos os cartões, o que elimina a necessidade de alugar uma máquina para cada bandeira.

Na prática, muitos grandes varejistas já são autocredenciados, porque aceitam em seus estabelecimentos cartões de crédito private label. Mas, com o fim da exclusividade da Redecard e da Visanet. para processar a Mastercard e a Visa, o que muda é a possibilidade de os varejistas pleitearem, diretamente com as bandeiras, uma licença para processar as compras pagas com cartões que contenham esse selo. Hoje, quando alguém paga uma compra com um cartão de crédito bandeirado nessas lojas, parte do valor - a taxa de desconto - é repassada pelo lojista ao credenciador. Eliminar essa taxa é o primeiro apelo do autocredenciamento.

Precisar o quanto essa mudança trará de economia para quem o implantar, no entanto, não é uma conta trivial. A maior dificuldade, segundo os especialistas, é determinar quanto as redes deverão investir em terminais de processamento, rede, pessoal e softwares para assumir uma função que hoje, afinal de contas, é terceirizada. Musa, da Partner, estima que seriam necessários 100 milhões de dólares para uma empresa sair do zero direto para brigar com a Redecard e a Visanet. Mas, no caso de redes com sistemas de PDVs já implantado, como os grandes supermercadistas, a cifra pode cair para menos da metade. "É um investimento bastante viável para quem tem um elevado volume de vendas", diz. Os custos de manutenção do sistema, porém, ainda são incertos. Pela força com que negociam com seus fornecedores, grandes redes já contam com taxas de desconto mais baixas. Ao trocá-las por um custo fixo representado pela manutenção do sistema de credenciamento, é possível que o ganho seja marginal - ou inexistente. "O comerciante precisa fazer muita conta para saber se compensa mesmo entrar nisso", diz Boanerges Freire, especialista em varejo financeiro.

Para quem compensaria

Os especialistas não têm muitas dúvidas de que as grandes redes de supermercado são as candidatas naturais ao credenciamento, por contarem com um elevado volume de vendas pulverizado por um grande número de transações. Quem estaria mais adiantado nesse processo seria o Carrefour. A varejista, que lançou recentemente um cartão de crédito com a bandeira Mastercard, poderia ser a primeira varejista a se transformar também em credenciadora dessa mesma bandeira, já que a exclusividade com a Redecard não existe mais. A seu favor, o Carrefour conta com um trunfo - possui uma administradora própria de cartões, em parceria com a Cetelem, o braço do banco francês BNP Paribas para o setor. Como o Carrefour não está vinculado a nenhuma das atuais credenciadoras, não haveria conflitos de interesse em apoiar os planos do Carrefour. Procurado pelo Portal EXAME, o Carrefour preferiu não se pronunciar a respeito.

Outros varejistas ainda precisam contornar possíveis conflitos de interesse com seus parceiros financeiros para se tornar autocredenciados. É o caso do Pão de Açúcar. Sua financeira, a FIC, é uma parceria com o Itaú Unibanco - o principal controlador da Redecard. Já a C&A, que também possui cartões private label, é parceira do Banco Ibi, hoje controlado pelo Bradesco. Isso não quer dizer que eles não possam se tornar credenciadores no futuro. O próprio Santander, que é acionista da Visanet, é cotado no mercado como um possível credenciador de Visa e Mastercard, assim como o HSBC.

Em alguma medida, deixar de lado as transações de grandes varejistas poderia até mesmo beneficiar a Redecard e a Visanet, que passariam a se concentrar em clientes com menor poder de negociação e, portanto, de onde poderiam extrair mais lucros. "Arrisco dizer que os credenciadores não sentiriam falta dos maiores varejistas, porque chegam a ter prejuízos com eles", afirma um especialista do setor.

O presidente da Redecard, Roberto Medeiros, diz que, apesar de os grandes varejistas serem responsáveis por cerca de 50% das transações processadas, essas empresas só representam 20% do lucro devido aos descontos que eles conseguem nas negociações. Um exemplo do poder de fogo dessas cadeias é o Sam's Club, o braço de "atacarejo" do Walmart. Atualmente, a rede só aceita cartões Hipercard, e vem pressionando os credenciadores das principais bandeiras para conseguir melhores taxas de desconto. "Se eu aceitasse, operaria no prejuízo", diz Medeiros, da Redecard. Agora, resta saber se os credenciadores resistirão ao mesmo poder de fogo dos varejistas quando eles mudarem de status para concorrentes.