Alguns mantras repetidos incontáveis vezes por autoridades governamentais nas últimas semanas têm dado ao povo brasileiro a impressão de que o país, tal como um São Jorge imbatível, venceu o dragão da crise e chegou ao nirvana. Um desses mantras diz que, derrotada a crise, agora é só sair para o abraço e esperar o espetáculo do crescimento. Não é verdade. Há perigo na esquina. Autoridades mais sérias, como o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, sabem disso e vêm pedindo reiteradamente aos empresários que voltem a investir na indústria. Esse mantra, sim – “invistam, invistam, invistam” –, faz sentido.
A armadilha para a economia brasileira é sutil. Inebriada pelo crédito liberado pelo governo para enfrentar a crise, impostos reduzidos, juros baixos e facilidade para adquirir de carros a casa própria, a população brasileira voltou a consumir com voracidade. Consome-se geladeira, celular, televisão, carro, máquina de lavar, bebida, comida e tudo o mais que estiver à venda. O problema é que, na outra ponta, a indústria, que sofreu um baque espetacular de agosto do ano passado ao mesmo mês deste ano ainda não se convenceu totalmente de que a crise acabou e continua reticente em investir. Resultado: a demanda é maior do que a oferta – e com o Natal à vista.
Esse choque (demanda maior que oferta) traz dois efeitos colaterais e indesejados. O primeiro é que a oferta menor pode pressionar os preços, gerando inflação. Se a inflação voltar, o Banco Central (BC) terá que aumentar os juros, freando investimentos. Alguns economistas já falam em alta de 0,5 ponto percentual na Selic em 2010. O segundo é que, para enfrentar a escassez de produtos – e estimulados pelo dólar baixo –, o varejo tem promovido uma avalanche de importações que, no futuro, pode avariar seriamente a indústria nacional.
De olho no Natal, por exemplo, o comércio já está importando alimentos, bebidas, brinquedos e até cosméticos. Dados do setor indicam que as importações de enfeites de Natal e brinquedo do Grupo Pão de Açúcar vão crescer 30%; as de fruta, 20%; e as de bacalhau, 10%. Na prática, é como se, com a retomada do consumo brasileiro, os fornecedores externos ficassem com o filé, cabendo o osso à indústria nacional.
De fato, a indústria brasileira ainda está travada. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a produção industrial respirou em agosto, com alta de 1,2% ante julho. Mas, dissecando os números, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) mostra que esse crescimento se concentrou em dois setores – automóveis e refino de petróleo e álcool.
O resultado é que as importações estão avançando. De janeiro a agosto deste ano, o Brasil importou da China telefones, eletrodomésticos, telas de LCD, computadores, discos óticos, máquinas, tecidos de malha e fibras sintéticas, calçados, brinquedos e até caminhões-guindates. Ou seja – os chineses agradecem, penhorados, o crescimento brasileiro. Ah, importamos também aço da China. No começo do ano, assustadas pela crise, as siderúrgicas e mineradoras brasileiras colocaram o pé no freio. A Usiminas, por exemplo, chegou a trabalhar com apenas 50% de sua capacidade. Agora, até retomar os níveis pré-crise (cerca de 85%), levará algum tempo.
“É compreensível que o investidor leve em conta as incertezas do cenário econômico, mas, se tivermos demanda aquecida sem oferta, teremos pressão de preço e aumento de importações”, confirma o economista Alberto Rocha, da DLM Invista. “A taxa de investimento fixo (investimentos produtivos da indústria) caiu para 15,7% do PIB. No terceiro trimestre do ano passado, era de 20,4%. Esse ponto traz de volta a questão do papel do investimento. Se, por um lado o consumo privado e o consumo do governo desempenharam papel relevante para mitigar os efeitos da crise, por outro, a sustentação da expansão econômica exige que o foco das iniciativas públicas se volte para a formação bruta de capital fixo. Ou seja, o desafio é manter o consumo aquecido, porém, cada vez mais alicerçado em iniciativas em prol do investimento, aprimorando o ambiente para os negócios e priorizando obras de infraestrutura”, diz um estudo do Iedi.
Enquanto isso não acontece, as importações avançam. A balança comercial brasileira registrou um superávit (exportações menos importações) de US$ 1,33 bilhão em setembro deste ano – o valor mais baixo desde janeiro. Segundo o governo, o baixo valor do superávit de setembro se deve ao crescimento das importações, que acontece na esteira do processo de retomada do crescimento econômico.
“Até a terceira semana de setembro, a média por dia útil das importações estava crescendo, porém, abaixo de US$ 600 mi. Nos últimos dias de setembro, a média diária passou para mais de US$ 640 mi, criando déficit na balança comercial na ponta. Desde a quarta semana de janeiro não ocorria um déficit na balança comercial brasileira”, lembra José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. “E, ao que tudo indica, o aumento das importações vai ocorrer mesmo no 4º trimestre”, completa. Em resumo: crescer é bom, mas o governo terá que calibrar as engrenagens.
Fonte: Estado de Minas