segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Classes D e E ganham espaço no consumo

Classe C perde atratividade, enquanto camadas inferiores são cobiçadas pela indústria e comércio no Norte e Nordeste do País

A classe C, que até pouco tempo atrás era a mais cortejada pela indústria e pelo comércio, começa a perder a atratividade para as camadas inferiores, as classes D e E, que ainda têm pouco acesso ao crediário e a renda menos comprometida com outras despesas, como internet, TV a cabo e prestações do crédito consignado.

Segundo pesquisa da LatinPanel, a classe C das regiões Norte e Nordeste, que tem renda mensal familiar entre quatro (R$ 1.860,00) e dez salários-mínimos (R$ 4.650,00) gastou nos últimos 12 meses até setembro deste ano R$ 5,46 bilhões com alimentos, bebidas e artigos de higiene e limpeza. Essa cifra é 35% menor que a desembolsada com esses mesmos produtos pelas camadas A e B da população que vive na região Sudeste. “As classes D e E passaram a ser olhadas com mais carinho pelos empresários porque estão saindo do estágio de consumo de subsistência”, afirma o economista chefe da LCA Consultores, Braulio Borges.
Isael Pinto, presidente da General Brands, que produz sucos em pó e pronto para beber, já detectou o potencial desse novo mercado. Faz um mês que a companhia, que é dona da marca Camp, lançou um novo suco em pó. Batizado de Fructos Plus, o suco é voltado para a baixa renda do Norte e Nordeste. O pacotinho de 20 gramas do novo suco em pó custa entre R$ 0,39 e R$ 0,45 no varejo e rende dois litros do produto já adoçado. O saquinho de 35 gramas da marca Camp, mais voltada para as classes B e C, sai por R$ 0,59 no varejo e rende um litro de suco, também adoçado. “Idealizei esse novo produto quando estava em uma vendinha no interior do Maranhão, em um dia em que a temperatura passava de 35 graus”, diz o empresário. Ele conta que observou uma senhora pobre fazendo as contas de quanto iria gastar para comprar suco para os seis filhos. “Percebi que havia uma oportunidade de mercado para um suco mais barato e com maior rendimento.”
O resultado dessa percepção do empresário já se traduz em números. No primeiro mês, já produziu e vendeu o pó para fazer o equivalente a 7,2 milhões de litros de suco. “Já penso em montar uma fábrica no Nordeste”, diz Pinto. Ele conta que o desempenho das vendas de todos os produtos da companhia para as classes D e E no Nordeste é três vezes superior ao registrado nas classes A e B no Sudeste. Além dos sucos, ele fabrica chiclete e outros confeitos.
A Perfetti Van Melle, fabricante da bala Mentos, é outra indústria que acaba de colocar no mercado produtos feitos sob medida para as classes D e E do Nordeste. Tatiana Checchia Gonçalves, gerente da marca, conta que lançou quatro sabores da bala em embalagens menores: no lugar de 14 unidades são 11, o que reduz em 27% o preço do produto. Antes mesmo de desenhar produtos com características específicas para a região, a empresa já vem colhendo bons resultados de vendas no Nordeste. No bimestre agosto/setembro, as vendas de dropes, pastilhas e caramelos da companhia na região cresceram 46% em valor na comparação com igual período do ano passado, enquanto na região Sudeste o acréscimo foi de 8%, nas mesmas bases de comparação.
A diretora da LatinPanel, Christine Pereira, responsável pela pesquisa, ressalta que há muitas oportunidades na região Norte e Nordeste para as indústrias de alimentos e produtos de higiene e limpeza. Ela cita como exemplo cinco produtos que ainda têm pouca presença na cesta de compras da população local de menor renda em relação ao restante do País. São eles: creme de leite, leite condensado, maionese, molho de tomate e amaciante de roupas.

Indicadores apontam alta em comparação ao Sudeste

Os pobres do Norte e Nordeste estão consumindo mais que os ricos do Sudeste. Nos últimos 12 meses até setembro deste ano, as classes D e E das regiões Norte e Nordeste do País gastaram R$ 8,8 bilhões com uma cesta de alimentos, produtos de higiene pessoal e limpeza.
Essa cifra é 5% maior que a desembolsada pelas camadas A e B que vivem no Sudeste do País no mesmo período com esses itens, revela estudo exclusivo da LatinPanel. No ano passado, a situação era exatamente inversa: o gasto das camadas que compõem a base da pirâmide social no Norte e Nordeste com bens não duráveis havia sido 5% inferior ao das classes A e B do Sudeste. “Houve uma reversão”, afirma Christine Pereira, diretora da empresa e responsável pela pesquisa.

Ela atribui essa mudança registrada no último ano a fatores conjunturais. Inflação em baixa que dá mais poder de compra ao consumidor, ganhos de renda dos trabalhadores que recebem salário-mínimo e o fato de a crise não ter afetado as camadas de menor renda explicam, segundo Christine, o avanço do consumo dos bens não duráveis pelos mais pobres. Os dados da pesquisa foram obtidos a partir de visitas semanais a 8.200 domicílios para auditar o consumo de 65 categorias de produtos.

Embora em maior número, as famílias das classes D e E do Norte e do Nordeste têm renda agregada bem menor que a das famílias das classes A e B do Sudeste. No Norte e no Nordeste, há 6,9 milhões de lares que recebem até quatro salários-mínimos (R$ 1.860,00) por mês, o que corresponde a 40% do total de famílias das classes D e E do País. Já as classes A e B somam 4,9 milhões de domicílios no Sudeste ou 45% dos lares desse estrato social do Brasil. Essas famílias têm renda mensal superior a dez salários-mínimos (R$ 4.650,00).

Para o economista chefe da LCA Consultores, Braulio Borges, boa parte do avanço do consumo dos mais pobres se deve ao aumento real do salário-mínimo de 5,7% concedido neste ano. “O salário-mínimo pesa muito nas regiões Norte e Nordeste”, diz. Nas suas contas, a massa real de renda dos ocupados, pensionistas da Previdência e também beneficiários do Bolsa Família cresceu 7,7% no Norte e Nordeste no primeiro semestre deste ano em relação a igual período de 2008. O acréscimo é mais que o dobro do registrado para essa população que vive no Sudeste do País, que foi de 3,1% nas mesmas bases de comparação.

Além desse fator, Borges ressalta que a inflação dos mais pobres, que ganham até cinco salários-mínimos (R$ 2.325,00), medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), perdeu o fôlego neste ano. Após fechar 2008 com alta de 6,5%, a maior taxa desde 2003, o INPC deve encerrar 2009 com aumento de 4,5%, prevê.

Seguradoras focam na baixa renda

As seguradoras começam a se preparar para atender à população brasileira de baixo poder aquisitivo. A Lei do Microsseguro, como tem sido chamada, ainda tem de ser votada pelo Congresso e só deve sair do papel em 2010. A lei pode abranger cerca de 100 milhões de brasileiros que hoje têm pouco ou nenhum acesso a este tipo de proteção. Eugênio Velasques, diretor-executivo do Grupo Bradesco de Seguros e Previdência, diz que há potencial para incluir até 85 milhões de pessoas neste mercado.

Fonte: Jornal do Comércio