quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Dois terços da classe C não leem rótulos

Consumidor mostra-se disposto a levar uma vida saudável, mas não se informa corretamente

Pesquisa da Apas foi feita em 8,2 mil lares: 44% das classes A e B não leem rótulos e são 30% nas faixas D e EAs letrinhas são miúdas mesmo. Muitas vezes estão espremidas na tampa, no fundo da embalagem, ou em um cantinho do rótulo. Mas não é tão difícil assim ler o rótulo de produtos alimentícios e de bebidas. Mesmo assim, menos da metade dos consumidores tem o hábito de ler as informações sobre ingredientes e propriedades nutricionais desses itens.

Uma pesquisa encomendada pela Associação Paulista de Supermercados (Apas) à Kantar Worldpanel, em 8,2 mil lares pesquisados no primeiro semestre deste ano, mostra que 44% das pessoas das classes A e B disseram que têm o costume de ler rótulos. Entre os da classe C, a fatia é de 38%. No conjunto dos consumidores das faixas D e E, o número cai para 30%.

"A falta do hábito de ler rótulos é uma contradição em um mercado no qual o consumidor estaria cada vez mais preocupado em escolher alimentos mais saudáveis", diz João Carlos Galassi, presidente da Apas. O consumidor que não lê rótulos está mais propenso a cometer erros na hora de escolher entre o que é saudável e o que não é. A prateleira de sucos prontos para beber é um bom exemplo. Quem presta atenção já reparou que a maior parte dos produtos leva a palavra néctar e não suco na embalagem. A diferença está na formulação.

Conforme o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, para ser suco pronto o produto precisa ser "bebida não fermentada, não concentrada e não diluída, destinada ao consumo, obtida da fruta madura e sã, ou parte do vegetal de origem, por processamento tecnológico adequado, submetida a tratamento que assegure a sua apresentação e conservação até o momento do consumo." Com exceção de alguns sucos adoçados e que levam uma percentagem baixa de água, se a bebida não obedecer a essa regra (decreto nº 6871/09), ela não pode ser chamada de suco. Ela será néctar ou refresco de frutas.

O néctar, de acordo com instrução normativa IN 12/03 e a portaria 544/98 do Ministério, leva água, açúcar ou adoçantes e deve ter uma percentagem de polpa de fruta. Os sucos de abacaxi, por exemplo, têm 40% de fruta. Os de laranja e de uva, 30%. Os de pêssego têm 40% e os de maracujá, 10% . Esses percentuais podem até ser maiores, a critério de cada fabricante. Mas a maioria, segundo o Ministério, fica nos parâmetros estipulados.

O refresco tem percentuais ainda menores e mais água e açúcar. Os de abacaxi, uva e laranja têm 30%. Os de maracujá, só 6% e os de pêssego nem precisam conter a fruta, segundo a mesma norma. No Brasil, estima-se que 90% do mercado de bebidas prontas de fruta seja formado por néctares e refrescos. Essa característica chega a afastar algumas empresa a entrar nesse segmento.

A PepsiCo, por exemplo, é dona de uma das marcas de sucos mais vendidas dos Estados Unidos e Europa, a Tropicana. Segundo fontes do mercado, a empresa não lança a marca aqui por conta do domínio dos néctares.

Como os néctares de frutas leva água e açúcar, custam mais barato do que os sucos. Uma vez que poucos consumidores sabem a diferença entre néctar e suco, isso inviabilizaria a investida da multinacional americana. Afinal, o consumidor não entenderia a razão de o produto custar mais caro.

Outros alimentos considerados saudáveis também estariam em perigo se houvesse mais consumidores lendo rótulos. As barrinhas de cereais são um exemplo. Ao contrário do que acontece com os sucos, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não existem regras que definam quais ingredientes e em que quantidades as barrinhas precisam ter.

A maior parte delas é feita com xarope de glicose e flocos de arroz - muito mais arroz do que outros cereais, como cevada e aveia. É fácil saber quais os ingredientes em maior quantidade nas barras (e em outros produtos e geral). Conforme a Anvisa, na relação de ingredientes de cada gênero alimentício ou bebida, os em maior quantidade devem vir em primeiro lugar na lista. A ordem obedece à quantidade.

Ainda com relação às barrinhas, o xarope de glicose, assim como o sódio, tem sido considerado um dos grandes vilões da saúde por especialistas da Europa e Estados Unidos. A tese é polêmica. Alguns cientistas culpam o xarope de glicose de provocar ganho rápido de peso em seus consumidores. Outros estudos isentam o ingrediente.

A soja também é um ingrediente polêmico. Muitos a consideram saudável. Vários estudos dizem que ela é rica em proteínas, tem isoflavonas e ácidos graxos insaturados que têm ação na prevenção de doenças crônico-degenerativas, como arteriosclerose, artrose e osteoporose. Mas há pesquisas que também dizem que a soja pode não ser tão boa assim. Alguns estudos alegam que o grão contém altas quantidades de toxinas que não podem ser completamente destruídas nem por um longo cozimento - a não ser que a soja seja consumida em forma de queijo tofu. Essas toxinas seriam os fitatos (que bloqueiam a absorção de minerais pelo corpo) e inibidores de enzimas (que atrapalham a digestão de proteínas).

"Mas para cada um estudo dizendo que a soja é maléfica, há 30 ou 40 dizendo que ela é boa", diz Torkel Rhenman, diretor mundial da Solae. A Solae é uma joint venture entre a Bunge e a Du Pont e é líder mundial na produção de ingredientes à base de soja para indústria alimentícia. Sob a forma de lecitina de soja, o grão é usado em diversos produtos como chocolates, margarinas, achocolatados, bebidas instantâneas e gomas de mascar. Já a proteína texturizada de soja é usada pela indústria de alimentos em diversos alimentos como salsichas, hambúrgueres e almôndegas. Sua principal função, segundo a Solae, é substituir parcial ou totalmente as proteínas animais nos mais variados alimentos processados.

O Brasil é um dos maiores consumidores mundiais de bebidas à base de soja. Em 2009, este mercado movimentou cerca de US$ 5,5 bilhões no mundo, segundo a Euromonitor. O Brasil ficou com US$ 600 milhões desse total, ou seja 10,9% do mercado global.

Fonte: Valor Econômico