terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Apenas mais um dia no varejo

Trabalhando em um mercado que tanto amo há tanto tempo como o varejo, eu sinceramente não sei se é sorte ou azar, mas o fato é que a gente se tornar um verdadeiro “radar ligado” capturando no dia-a-dia pequenas questões que impedem um varejista de vender ou ainda uma oportunidade para vender melhor.

Uma simples volta em um shopping pode revelar muita coisa a olhos mais atentos sobre porque o varejista perde a maior parte de suas vendas, não para o concorrente ou outros mercados, e sim, para si mesmo.

Apenas mais um dia no varejo...
Ao caminhar pelos corredores de um popular shopping de São Paulo, me deparei com uma loja dessas especializadas em videogames, mas que em tempos de vendas de jogos em mídia cada vez mais escassos, além da concorrência com o varejo digital, começa a apostar na venda de bonecos e outros tipos de brinquedos.

Vejo rapidamente um tipo de brinquedo que meu filho estava buscando, ao fundo da loja. Resolvo entrar e dar uma olhada em uma pequena pilha desse brinquedo que estava formada, com diversos modelos em exposição. O único vendedor da loja está atendendo um cliente e não pode me dar atenção no momento. Me faz um breve aceno e depois de notar minha curiosidade pelo produto me diz: Esse produto está com um desconto especial e se você levar 2, o terceiro é de graça.

Surpreso pela boa promoção e a oportunidade, resolvo pegar então 3 desses brinquedos. Ao pagar, como gosto sempre de conversar com o varejo, pergunto:

- Puxa, com uma promoção tão boa como essa, por que você não coloca logo na vitrine da loja, faz barulho para vender logo, ao invés de deixar aqui num cantinho isolado?

E o vendedor, com um ar de tristeza e em tom de desabafo, me respondeu:

- Bem que eu gostaria, mas o pessoal do marketing é muito engessado na empresa. Mal pisam aqui na loja, e quando pisam, me proíbem de fazer algo que penso que poderia vender mais. Não posso fazer nada e pior, nem sugerir ou pedir algo diferente como um cartaz. Tem que ser tudo como está escrito, tudo igual para todos, de acordo com o padrão. Eles precisavam pisar mais aqui na loja. Tenho certeza que também já teria vendido muito mais, senão tudo.

Não tenho como discordar do vendedor. Seria muito mais interessante se a loja tivesse alguma autonomia para alguma pequena ação. Poderia ao menos propor um modelo padrão em algo como um Powerpoint ou um documento de Word, para não descaracterizar a loja ou sua comunicação.

Uma vez satisfeito com a compra, saio continuando meu passeio e resolvo entrar em uma movimentada livraria. Há uma boa cafeteria, mas percebo logo de cara que as mesas e cadeiras estão tão próximas de algumas estantes, que principalmente na hora que eu estava pela loja, por volta do início da tarde, dificilmente alguém que quisesse comprar algo que estava nas estantes conseguiria chegar até lá, ou pelo menos, se sentiria extremamente constrangido em fazer verdadeiros malabarismos sobre as mesas e cadeiras para chegar até a estante. De quebra, é uma das sessões que mais gosto de caçar novidades e oportunidades, e dessa vez, acabei decidindo não olhar nada para não ter que realizar uma performance acrobática entre as mesas, ainda mais com meus 1,90 e quase 150kg. Acabei saindo da loja de mãos vazias.

Alguns passos à frente, em uma loja de eletrônicos, vejo um casal olhando atentamente um aparelho celular específico, olha daqui, fuça dali, percebo eles comentando que o preço estava mais alto do que ele havia visto antes na época da Black Friday, mas que vai tentar algum desconto. Embora ele parecesse interessado, ninguém o abordou. Teve que literalmente caçar algum vendedor para atendê-lo.

- Pois não, como posso ajudar? – disse o vendedor

- Sabe, eu queria esse modelo de celular aqui, mas será que você não consegue a mesma promoção que estava na época da Black Friday?

- Infelizmente não consigo – respondeu o vendedor – o máximo que eu consigo para o senhor seria 5% de desconto.

- 5%? Mas o preço na Internet na loja de vocês está mais baixo do que isso!

- Sim, eu sei, mas é que Internet é Internet e loja é loja.

- Você não conseguiria 10% de desconto? É ainda acima do que está na Internet – propôs o cliente, decidido a comprar.

- Sinto muito, só 5%.

E o cliente foi embora.

Esse foi apenas um dia passeando no varejo. Todos os dias acontecem coisas semelhantes que consigo registrar, e que só fortalecem algo que eu digo sempre: O varejo perde em sua grande maioria, não para a concorrência ou a crise, mas sim, para si mesmo.

Um grande abraço e boas vendas

Caio Camargo
Editor | Falando de Varejo