terça-feira, 3 de março de 2020

Delivery de comida pode impactar negativamente o setor de alimentação no Brasil

Apesar de, em alguns casos, aumentar a quantidade de clientes, os aplicativos entram em concorrência direta com bares e restaurantes


Comida barata e, muitas vezes, com taxas de entrega com preços irrisórios são duas táticas adotadas - e muito bem recebidas pelos clientes - por diferentes aplicativos de delivery voltados à alimentação. Em 2018, esse setor teve um faturamento de US$ 192 bilhões e, de acordo com o Instituto de Foodservice Brasil (IFB), houve um aumento deste meio em 23%, no Brasil, quando comparado ao ano anterior.

Apesar de possuir um alto custo-benefício, os “apps” têm gerado discussões positivas e negativas para o setor de alimentação, levando em consideração o aumento dos clientes, mas também a concorrência direta com bares e restaurantes. Com estes fatores, os estabelecimentos visam, cada vez mais, inovar no mercado para otimizar a margem de lucro e fugir das contas em vermelho por conta das mudanças provocadas pelo comodismo oferecido pelas plataformas online.

"Vemos que a sociedade busca, atualmente, o conforto de receber o seu pedido diretamente em casa ou no trabalho. Além de apresentar valores mais baratos do que em restaurantes, a conveniência se tornou uma grande aliada para o sucesso dos deliverys", explica Alexandre Sampaio, presidente da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA).

Como exemplo do crescimento desse setor, o iFood, empresa brasileira fundada em 2011, entra como um dos aplicativos mais famosos buscados pela população devido as suas estratégias de expansão para atingir diferentes regiões no país. Apenas no ano passado, foi registrado um crescimento de 116% no números de pedidos recebidos em relação a 2018.

Para Wilson Calil, vice-presidente da FBHA, os aplicativos impactam positivamente no sentido de que o restaurante proporciona comodidade para o cliente, oferecendo o produto para ser entregue em casa e garantindo uma experiência prática. Entretanto, Calil chama a atenção do meio para as "dark kitchens", que prejudicam o setor e devem ser monitoradas.

"Essas cozinhas informais concorrem de maneira ilegal com a gente. Não há o pagamento de imposto e, praticamente, não há custo nenhum. Às vezes, a pessoa faz o produto na própria casa e não está sujeito a nenhum tipo de fiscalização", explica Calil.

De acordo com reportagem da BBC, em fevereiro deste ano, um dos aplicativos "diz exigir, em contrato, que 'os estabelecimentos cumpram todos os requisitos legais necessários estabelecidos pelo poder público, responsável pela fiscalização'. Mas, no aplicativo, basta informar um CNPJ para fazer o cadastro".

Por meio desse facilitador, é comum que o surgimento das “dark kitchens” seja potencializado, levando em consideração os baixos custos de desenvolvimento de produtos.

Graco Miranda, presidente do Sindicato dos Hotéis, Restaurante, Bares e Similares de João Pessoa (SHRBS-JP), ainda evidencia a ausência de responsabilidade com o consumidor que, por vezes, sofre pelo estabelecimento não cumprir com as normas de vigilância sanitária e, também, com a falta da emissão de nota fiscal.

"A gente sabe que para poder vender com segurança alimentar são necessários diversos recursos, que geram custos. Muitas das empresas não passam por fiscalização e nem tampouco cumprem com essas normas, o que gera uma concorrência desleal, assim como as empresas que não emitem notas fiscais", complementa.

O alto índice de pedidos nesses aplicativos, muitas vezes, se deve ao fato de que pratos completos são oferecidos por valores mais baratos do que em estabelecimentos físicos. A prática é considerada ilegal e é conhecida como dumping, que consiste na venda de produtos e/ou serviços por preços abaixo do seu valor justo para matar a concorrência.

Outro fator que tem sido pauta para o setor de alimentação diz respeito até mesmo à contratação de motoqueiros. Luís Dorivan, presidente do Sindicato de Restaurantes, Bares, Barracas de Praia, Buffets e Similares do Estado do Ceará (Sindirest/CE), explica que o modelo de negócio absorve a maioria dos motoboys no mercado e prejudica empreendimentos que investem nas entregas.

“Os estabelecimentos passam a ter dificuldade em formar equipe de logística em relação aos motoqueiros. Além disso, os próprios motoboys também reclamam por conta da questão da transparência dos pagamentos e dos valores da taxa de entrega dos aplicativos”, informa.

Em Porto Alegre, Henry Starosta, do Sindicato de Hospedagem e Alimentação de POA e Região (Sindha), frisa também a dependência que um restaurante e/ou bar com os aplicativos de entrega, visto que as plataformas "tomam conta" do patrimônio da empresa que, no caso, se refere aos clientes.

Sobre a FBHA – A Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA) é uma entidade sindical patronal constituída com a finalidade de coordenação, defesa administrativa, judicial e ordenamento dos interesses e direitos dos empresários da categoria e atividades congregadas. Integra a chamada pirâmide sindical, constituída pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), pela própria FBHA, pelos Sindicatos e pelas empresas do setor.

É uma das maiores entidades sindicais do país e tem representação nos principais órgãos, entidades e conselhos do setor empresarial e turístico do Brasil, tais como o Conselho Nacional de Turismo (CNT), do Ministério do Turismo, ou o Conselho Empresarial do Turismo (Cetur) da CNC.

Está presente em todas as regiões, através de 67 sindicatos filiados. Representa em âmbito estadual e municipal cerca de 940 mil empresas, entre hotéis, pousadas, restaurantes, bares e similares.