quarta-feira, 13 de março de 2013

Natura ataca com web e lojas

A Natura se prepara para quebrar em 2013 um tabu que já dura quase quatro décadas: a venda dos seus produtos no varejo. A empresa está fora desse mercado desde 1974, quando decidiu fechar a loja que deu origem à marca para apostar no porta a porta. Essa estratégia será combinada com um projeto mais agressivo para o e-commerce. O avanço vem logo após um movimento de O Boticário que, em 2012, pôs os dois pés no território que sempre foi da Natura: hoje, a empresa curitibana é uma das cinco maiores na venda direta, segundo dados não oficiais.

De acordo com o presidente da Natura, Alessandro Carlucci, a viabilidade da iniciativa de varejo foi testada durante todo o ano passado, com uma loja conceito na Rua Oscar Freire, em São Paulo. "Não faremos uma rede grande, talvez 20 ou 30 lojas nas principais cidades do País", diz Carlucci. O executivo faz questão de afirmar que se trata apenas de mais um canal de vendas. Ele explica que a estratégia de varejo será implantada aos poucos e que a marca não tem intenção de abrir centenas de unidades ao redor do País para concorrer diretamente com outras redes. "As lojas poderão ser usadas pelas consultoras para a realização de eventos. Serão apenas mais um ponto de contato com o consumidor", diz.

Ao testar novos canais de venda, a Natura está muito preocupada em não desagradar sua equipe de 1,5 milhão de revendedoras. Por causa desse receio, a marca mantém uma iniciativa tímida de venda pela internet. Hoje, se quiser comprar um produto da Natura online, o cliente tem de ter muita vontade: é preciso procurar para chegar à plataforma de comércio eletrônico. Cada vez que um consumidor faz compras pela internet, dizem fontes de mercado, a Natura atribui uma pequena comissão à consultora mais próxima ao CEP informado para entrega.

Agora, o objetivo da empresa é mudar esse quadro e incentivar as consultoras a promover a nova loja virtual. Segundo Carlucci, um projeto piloto de e-commerce está sendo desenvolvido pela Natura desde novembro. Seis mil revendedoras estão ajudando a construir uma plataforma em que cada consultora poderá ter um site personalizado. Obrigatoriamente, ao usar a nova ferramenta de venda pela internet da Natura, o cliente terá de associar sua compra à página de uma consultora. A partir daí, o relacionamento comercial passará a ser administrado por essa associada. "O consumidor poderá escolher entre receber a visita da consultora com o produto ou então optar pela entrega expressa. Se ele nunca quiser encontrar a vendedora, o relacionamento poderá ficar só no mundo virtual", diz o presidente da Natura.

Para entrar na seara da Natura, O Boticário também usou seus parceiros mais tradicionais, os franqueados. Segundo Marcelo Pinheiro, diretor da consultoria DirectBiz, o grupo transformou a rede de 3,5 mil lojas em mini centros de distribuição para entregar produtos diretamente na casa do consumidor. Como a marca Eudora, lançada pela empresa em 2011, não conseguiu recrutar mais do que 20 mil consultoras, o grupo percebeu que começar uma operação porta a porta do zero seria um caminho lento e difícil. Por isso, buscou logo uma nova solução.

Sem pressa. Para Pinheiro, a Natura é conservadora em relação à reação de suas revendedoras – por isso, avalia bem seus movimentos. Segundo o presidente Carlucci, ainda não existe uma data para o novo site entrar no ar. Sobre a estratégia de lojas, ele se limita a dizer que a empresa negocia um ponto em São Paulo. O executivo afirma que cada investimento deve ser feito a seu tempo. Para evitar que a expansão de canais se tornasse um problema, era preciso melhorar a logística, por exemplo. A Natura construiu oito centros de distribuição e vai erguer mais dois. A companhia diz que, só com esses investimentos, será possível garantir a entrega dos pedidos online e de venda direta em até 48 horas nas principais capitais.

Segundo alguns analistas, uma das razões que podem explicar a tendência da Natura de pensar bem antes de definir qualquer estratégia é sua posição de líder isolada de mercado (veja quadro abaixo). A empresa movimenta cerca de R$ 12 bilhões ao ano, mais de um quarto do total do mercado de vendas diretas no País, estimado pela Associação Brasileira de Empresas de Venda Direta (Abevd) em R$ 50 bilhões. A companhia ainda registra crescimentos consistentes – a receita líquida subiu 13,5% em 2012, para R$ 6,3 bilhões.

A Natura também tem capital aberto. Portanto, está sujeita a uma série de procedimentos para conseguir implementar uma decisão estratégica. Processo que seu principal rival nacional não precisa enfrentar. "Minhas portas estão sempre abertas. Se eu gostar do negócio sugerido, iniciamos o trabalho na hora", afirmou ao Estado, em fevereiro, o presidente de O Boticário Artur Grynbaum. Embora os lançamentos do grupo não tenham sido sempre bem sucedidos, a companhia cresceu 20% ao ano em 2011 e 2012, ritmo superior ao da Natura.

No caso da expansão dos canais de venda, porém, consultores e ex-executivos da Natura afirmam que a dificuldade em definir novos rumos está ligada menos a processos burocráticos e mais a divergências internas. O tímido movimento da Natura no varejo parece ser um "meio de caminho" negociado entre vozes divergentes, diz um consultor na área de cosméticos, que pediu para não ser identificado.

Uma fonte que já trabalhou na empresa afirma que o tema lojas próprias é objeto de debates acirrados na Natura há muitos anos. De um lado do ringue estão os executivos que defendem uma entrada mais agressiva no varejo, com pelo menos algumas centenas de lojas; de outro, ficam aqueles que defendem a preservação da relação com as consultoras e são contrários à migração da companhia para outros canais de venda (esse grupo é forte, de acordo com a fonte, porque inclui Luiz Seabra, fundador da Natura, que faz questão de manter as consultoras satisfeitas).

Estratégia internacional. Na semana passada, a líder brasileira assistiu a uma outra ofensiva da concorrência em seu terreno. Com alarde, a francesa L’Occitane lançou a marca L’Occitane Au Bresil – inspirada na flora brasileira, exatamente o mesmo apelo da Natura –, que deve ser vendida na Europa, Estados Unidos e Ásia já no ano que vem.

Ao ser perguntado se a marca francesa conseguirá levar, de forma massiva, os cosméticos com apelo brasileiro para outros mercados, ação que a Natura ensaia há vários anos, o presidente mundial da marca, Reinold Geiger, não titubeia: "Respeitamos muito a Natura, mas, em termos de expansão internacional, temos uma grande vantagem, pois estamos nos internacionalizando há 35 anos e hoje estamos presentes em 90 países", afirma.

A Natura, que comprou o controle da australiana Aesop por R$ 140 milhões em dezembro, poderá usar o modelo de lojas da parceira – que exige espaço pequeno, de 50 metros quadrados – para fazer a expansão da marca brasileira em mercados onde a venda direta já não cresce mais, como o europeu. "Vamos fazer uma expansão internacional relativamente rápida, mas sem desespero", frisa o presidente da Natura. Assim como no mercado interno, a palavra de ordem na internacionalização da empresa é cautela.

Fonte: O Estado de S. Paulo