terça-feira, 31 de maio de 2011

Mão de obra escassa preocupa varejistas

Empresários buscam meios para capacitar jovens e trabalhadores em busca de emprego formal
Problema afeta outros setores, diz Kruse.O varejo brasileiro enfrenta um problema inédito em sua história, que, com o aquecimento da economia no ano passado, tornou-se visível: a falta de mão de obra qualificada. Desde 2003, quando o País começou a se desenvolver e registrar crescimento constante do Produto Interno Bruto (PIB), o número de profissionais capacitados disponíveis no comércio vem diminuindo. De acordo com o empresário e consultor de varejo Eduardo Tevah, o motivo de somente agora isto ser percebido como um problema é que, no decorrer destes anos de crescimento, o mercado foi absorvendo pessoas que estavam desempregadas ou trabalhando em subempregos ou na informalidade.

“A partir de 2009, a falta de profissionais qualificados no comércio passou a ser registrada com maior preocupação, alcançando o ápice em 2010, quando as empresas sentiram dificuldade de encontrar mão de obra para preencher as vagas em aberto”, ressalta Tevah. “Ocorre que o varejo não estava preparado para formar mão de obra, e sim para absorver mão de obra”, avalia o consultor, observando que, apesar de sobrarem vagas em diversos cargos, ainda há uma grande quantidade de pessoas desempregadas, porque não cumprem os requisitos mínimos exigidos.

Mas se antigamente os lojistas buscavam talentos e adaptavam os profissionais à sua realidade, hoje eles estão precisando encontrar candidatos que tenham atitude e interesse em crescer, uma vez que agora é preciso ensinar estas pessoas a realizarem os trabalhos do setor. “Hoje em dia, o mercado é extremamente escasso de mão de obra capacitada, e os empresários estão se voltando para uma outra fase, que é a formação e preparação de profissionais. Esta é uma realidade que surgiu de forma abrupta”, avalia o consultor, destacando que as áreas de recursos humanos estão revisando conceitos e admitindo a necessidade de preparar pessoas e encontrar mecanismos de retenção de profissionais qualificados.

“Não existe gente pronta para trabalhar. Este é o maior entrave do comércio e de toda indústria em geral”, admite a empresária Carmen Flores, vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL-POA). Ela acredita que é preciso colocar cursos técnicos à disposição de quem quer se inserir neste mercado. “As pessoas devem aprender como atender. O consumidor, hoje, é uma pessoa extremamente exigente. Temos que ter profissionais preparados para mostrar o diferencial dos produtos. Por isso, temos que pensar muito em qualificação.”

Área de vendas é uma das mais críticas

Apesar de faltarem profissionais em todas as frentes do comércio - incluindo TI, marketing e setores administrativos - a área de vendas é atualmente a mais crítica, na avaliação do empresário e consultor de varejo Eduardo Tevah. Isto porque, tradicionalmente, os cargos de gerente são ocupados por vendedores que crescem nas empresas, ou porque a indústria acaba absorvendo alguns talentos oriundos do varejo.

Mas se a expansão do emprego formal e a situação de pleno emprego vêm acentuando a tendência de migração de profissionais com experiência no comércio para outros setores, como a indústria, por outro lado, o varejo é alternativa para jovens estreantes no mercado de trabalho e profissionais em busca do emprego formal. Assim, dois novos perfis ganham espaço: o do jovem de 18 anos, recém-formado no Ensino Médio, ou por vezes cursando uma faculdade, que tenha ambição e queira aprender, e o de profissionais com mais de 50 anos, mais experientes e fáceis de fixar-se em um emprego.

De acordo com o vice-presidente do Sindilojas de Porto Alegre, Paulo Kruse, depois de vendedores, os profissionais mais procurados são os gerentes. “Esta situação vem crescendo desde o início de 2010 e se acentuou no final do ano, quando tivemos muitos problemas para preencher vagas em aberto, pois a maioria dos candidatos não tinha capacitação - e, sem qualificação, não podemos empregar.” A carência de funcionários preparados, diz Kruse, gera perda para os lojistas, uma vez que as vendas não acontecem. “Além disso, algumas empresas não conseguem ampliar seus estabelecimentos, porque faltam funcionários”, completa o dirigente.
Lojistas oferecem cursos a trabalhadores para sanar carência

A carência de profissionais qualificados no varejo tem levado entidades representativas do comércio a buscar uma forma de reverter este cenário a médio prazo. Preocupados com a dificuldade de preencher as vagas disponíveis no mercado com profissionais qualificados, empresários do ramo estão capacitando jovens estreantes e trabalhadores interessados em sair da informalidade. A meta é preparar principalmente vendedores, mas gerentes e gestores de negócios também estão incluídos nos projetos voltados à capacitação de mão de obra, que devem se acirrar no segundo semestre deste ano.

“Emprego, no comércio, tem de sobra, o que falta é mão de obra”, afirma o vice-presidente do Sindilojas Porto Alegre, Paulo Kruse. “Este é um problema que não é só do varejo”, acrescenta, ressaltando que a entidade lançou, neste mês, o projeto Geração Varejo, cuja meta é capacitar cerca de 700 profissionais até novembro deste ano. “Para isso, contratamos uma equipe de professores especializados, e uma psicóloga, para avaliar os participantes”, informa o dirigente.

O projeto oferece cursos gratuitos de capacitação de vendedores e gestores de negócios e promove treinamento de gerentes, por preços que, segundo Kruse, equivalem a 30% do valor de mercado. As aulas ocorrem na sede do Sindilojas. Os interessados devem se cadastrar através do site da entidade e passar por uma entrevista com a psicóloga do projeto, que analisa o perfil dos inscritos e os encaminha para a capacitação. “A partir de junho, os candidatos que concluírem os cursos terão seus currículos disponibilizados para consulta dos lojistas associados ao sindicato, passando a concorrer a vagas de emprego, conforme a necessidade das empresas”, explica o vice-presidente do Sindilojas da Capital.

Ele destaca que antes de lançar o Geração Varejo, a entidade já promovia cursos de capacitação. Agora, a ideia é acirrar esta iniciativa, mantendo o projeto de forma permanente. A cada semana, deverá se formar uma turma de 25 pessoas interessadas em gestão de negócios e 25 vendedores. Os cursos para gerentes devem capacitar 90 pessoas por turma. A idade inicial é de 18 anos. “Iremos dar preferência para pessoas com segundo grau completo”, adianta Kruse.

Com o objetivo de estimular a capacitação para quem quer trabalhar no comércio e ainda não tem a qualificação adequada, ou contemplar profissionais que já trabalham no segmento, mas querem melhorar sua colocação, o Senac RS oferece palestras e oficinas que destacam as opções no mundo do trabalho e o perfil do profissional que o mercado deseja hoje. Na opinião do diretor regional da entidade, José Paulo da Rosa, é preciso oferecer educação profissional, a curto prazo, mas é preciso também estar ciente da necessidade de priorizar o ensino formal. “A análise que a sociedade precisa fazer é sobre a qualidade da nossa educação, temos no País uma educação formal de baixa qualidade - pouquíssimos dos que ingressam no Ensino Fundamental se formam, e destes, uma parcela ainda menor busca capacitação”, avalia Rosa.

Fonte: Jornal do Comércio