terça-feira, 2 de março de 2010

Inadimplência em queda favorece pequenos

Crescimento deve ficar em 5%, menor que o de 2009 e dentro da média registrada no pré-crise

No início de 2009, os efeitos da crise mundial eram visíveis. Os pátios das montadoras estavam lotados, empresas engavetavam projetos de investimentos, distribuidoras de aço operavam com estoques equivalentes a seis meses de produção, o desemprego crescia, e os bancos olhavam com lupa a concessão de crédito, reduzindo prazos e aumentando os juros. Resultado: as pequenas e médias empresas enfrentavam dificuldades crescentes para obter crédito e linhas de capital de giro para tocar seu dia a dia, enquanto, na outra ponta, tinham dificuldade para receber de seus consumidores, que lidavam com juros mais altos e prazos mais curtos. Um ano depois, a situação começa a se normalizar.

Em janeiro, a inadimplência com cheques foi de 1,85%, o menor percentual verificado em dezesseis meses pelo indicador apurado pela Serasa Experian. Ao todo, foram devolvidos 1,673 milhão de cheques no primeiro mês do ano. Considerando-se apenas os meses de janeiro, a devolução de 1,85% ocorrida no mês passado é a menor desde 2005 - quando a devolução de cheques por falta de recursos atingiu 1,53%.

O maior crescimento da economia no segundo semestre de 2009, o aumento da renda e a criação de vagas no mercado de trabalho estão contribuindo para a redução da inadimplência das pessoas físicas e jurídicas, um sinal positivo para pequenas e médias empresas. Em dezembro de 2009, segundo o IBGE, o rendimento médio real dos trabalhadores teve alta de 0,9% em comparação anual, chegando a R$ 1.344,40. Já a taxa de desemprego encerrou o ano passado em 6,8% da população economicamente ativa, o menor percentual da série histórica iniciada em março de 2002.

"A tendência é de que a taxa de crescimento da inadimplência corporativa seja bem menor que a do ano passado. E já se vê a normalização do crédito para as pequenas e médias empresas, que sentiram mais os efeitos da crise na obtenção de recursos", afirma Luiz Rabi, gerente de indicadores de mercado da Serasa Experian, que estima um crescimento entre 5,5% e 6% da economia brasileira neste ano. Em 2009, os efeitos da crise fizeram com que a taxa de crescimento do indicador de inadimplência corporativa da Serasa tenha subido 19%, maior elevação desde 2001. "Para este ano, o crescimento deve ficar em 5%, um número dentro do que se verificou em outros períodos pré-crise", afirma Rabi.

No comércio, as contas atrasadas de consumidores também vêm caindo. Dados da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) apontam que, em janeiro, os carnês em atraso caíram 3,4%, enquanto os registros cancelados (carnês quitados ou renegociados) apresentaram alta de 7,6% em comparação anual. Com a recuperação do emprego e o desemprego estável, as renegociações das dívidas têm sido facilitadas com o alongamento dos prazos. "A tendência é de que a inadimplência da pessoa física continue em queda neste primeiro semestre", analisa o economista Marcel Solimeo, da ACSP.

No segundo semestre, pode haver uma pequena alta da inadimplência dos consumidores por conta do reflexo da alta de juros projetada pelo mercado. A taxa básica de juros está hoje em 8,75%, mas boa parte do mercado financeiro prevê que ela possa encerrar 2010 acima de 12%. "Já se verifica uma pressão no mercado futuro de juros, pressão que vem sendo repassada a algumas linhas de financiamento. No segundo semestre, isso pode fazer com que a inadimplência seja um pouco maior que a do primeiro", afirma Rabi, da Serasa Experian.

Em paralelo à queda nas contas atrasadas, verifica-se um bom ritmo de vendas nestes dois primeiros meses do ano. Na primeira quinzena de fevereiro, as consultas ao Serviço Central Proteção ao Crédito (SCPC) - termômetro das vendas à vista - registraram alta de 7,8% em comparação anual, em São Paulo, enquanto as consultas às vendas a prazo tiveram alta de 7,1%.

As liquidações de fim de ano e os bons resultados de vendas no final de 2009 fizeram com que pequenas e médias empresas da indústria e do comércio estejam buscando recompor seus estoques, o que tem elevado a procura por crédito, em especial linhas de capital de giro nos bancos. "Houve uma carência de linhas de capital de giro para pequenos e médios lojistas em 2009, o que fez a inadimplência aumentar em alguns casos, mas agora com a melhoria do cenário a expectativa é de que já se veja uma normalização", diz Solimeo, da ACSP.

Dados recentes confirmam essa tese. Pesquisa da Serasa Experian aponta que, em janeiro, a quantidade de empresas que buscaram crédito no mercado subiu 11,4%, impulsionada pela demanda das micro e pequenas, que cresceu 12,2%. "A percepção de que o acesso ao crédito está em curso de normalização, principalmente para as micro e pequenas empresas, aliada ao processo de recomposição de estoques após as vendas de final de ano estimulam o crescimento da procura por crédito", diz Rabi.

No Brás, um tradicional bairro de comércio popular em São Paulo, com dezenas de pequenos e médios lojistas que vendem tanto para o varejo quanto para o atacado, as vendas de Natal e do início do ano foram boas. "Janeiro foi muito bom, crescemos 8% em comparação anual", diz o diretor da Associação dos Lojistas do Brás (Alobrás), Jean Makdissi Júnior. No momento, os pequenos e médios empresários locais estão recompondo estoques, recebendo novas coleções de inverno e algumas linhas de produto especiais para a Copa do Mundo de Futebol.

Makdissi Júnior diz que a inadimplência dos consumidores e entre as empresas está sob controle. Ano passado, sofrendo os efeitos da crise, varejo e atacado enfrentaram alguns problemas entre si. Em alguns casos, houve atraso de pagamentos e empresários pedindo alongamento de prazos aos seus fornecedores. "Mas isso não resultou em inadimplência na maioria dos casos. Hoje a situação está normalizada e a maioria dos lojistas está recompondo estoques para as vendas de inverno", afirma.

Com a melhoria do cenário econômico para este ano, as empresas estão não apenas buscando recompor seus estoques para as vendas de inverno, mas também de olho na modernização e ampliação de suas lojas. "O que se vê nesse momento são empresas investindo nesses projetos com capital próprio ou algumas buscando financiamento nos bancos, já que o panorama melhorou. Algumas linhas de capital de giro estão sendo feitas para recomposição dos estoques. O consumidor está com dinheiro no bolso", afirma o diretor da Alobrás.

Fonte: ASN/Valor Econômico